sexta-feira, 1 de junho de 2012

SIMÃO BOCCANEGRA – Theatre Schiller, Berlim – 28 Maio 2012



(review in english below)

Com o mesmo elenco e na mesma cidade em que se estreou no papel, Plácido Domingo voltou a trazer Simão Boccanegra a Berlim.



Tendo tido o privilégio de assistir a uma das suas récitas de estreia em Novembro de 2009, e depois das récitas em Londres e Madrid, posso dizer que a récita do passado dia 28 foi extrasensorialmente brutal! 



Não sei se posso dizer, sendo Domingo quem é (mas talvez justamente por ser quem o é), que Plácido amadureceu o papel a um nível sobre-humano. Da voz já nem vale a pena fazer comentários. Para quê fazer frases tidas como feitas, com alusão à sua idade, e que têm passado em diversos blogues e artigos de revistas? Penso importante sim, referir que atingiu uma coerência harmónica, aliada a uma expressividade magnífica, numa das passagens que soavam como menos convincentes no seu todo. Estou a falar do “Plebe! Patrizi! Popolo!” e, particularmente do “E vo gridando pace!”... O seu falado “e tu ripeti il giuro” em direcção a Paolo foi aterrorizador. O modo como no último acto foi exprimindo vocal e corporalmente, em intensidade crescente, o efeito mortífero do veneno ingerido e, ao mesmo tempo, ia interagindo com Fiesco como que evoluindo emocionalmente em duas plataformas, uma física e outra psicológica, foi de uma qualidade ímpar. Após a sua última palavra na obra – “Maria”, e mesmo antes de cair morto, de forma sempre atlética,  leva a mão ao peito com um esgar de dor e lança um último suspiro de forma tão dramaticamente tocante que todos no Teatro estavam inertes, sem se ouvir um único ruído – genial!


Mais uma vez e de forma ainda mais tocante, Plácido Domingo demonstrou-me que, sendo deste Mundo, ao mesmo tempo não o é, pela sua singularidade. A sua paixão pela Vida e pela Ópera é o que lhe dá alimento, e o que o faz querer sempre inovar e crescer, tenha 71 anos ou qualquer que seja a sua idade. E isto é uma verdadeira lição de vida e uma inspiração para todos!


Anja Harteros foi uma Amélia excelente com a sua voz bela, de grande pureza de timbre e sensibilidade. Contudo fica a sensação de que não domina completamente a capacidade de regulação da potência vocal. Amélia Grimaldi não é uma personagem wagneriana e, mesmo que fosse, em determinados momentos projecta a sua voz com uma intensidade tal que o que transparece é que destina a exibir a sua potência mais do que uma adaptação à personagem que está a interpretar.


Fabio Sartori não me surpreendeu pela sua voz, a qual conheço já bem e que me faz afirmar que se trata de uma das maiores vozes de tenor da actualidade. Supreendeu-me sim o seu maior à-vontade em palco. Já não é só um corpo inerte a cantar. A sua maior naturalidade e credibilidade de movimentos acaba por se traduzir também na sua interpretação vocal.


Depois de ouvir Ferruccio Furlanetto interpretar o papel de Fiesco torna-se difícil admirar outro cantor neste papel. Kwangchul Youn esteve bem mas principalmente nos terceiro e quarto actos, onde a sua expressão cénica foi mais natural e sentida.


Hallo Muller-Brachmann foi um Paolo de excelente qualidade mas a deixar a possibilidade de ser ainda melhor se tornar a personagem menos rígida e com um horror mais tenebroso.


Daniel Barenboim e a Orquestra estiveram sublimes! Foi talvez a primeira vez que vi Barenboim sorrir em palco, deixando cair a sua postura séria e egocêntrica (talvez não o seja realmente mas é a ideia que sempre transparece).



Para finalizar, agradeço ao encenador o facto de trocar o manto de Boccanegra do 2º acto de um amarelo profundamente irritante para um branco/creme, conferindo muito mais classe ao papel.

O Teatro Schiller é muito mais acolhedor do que a velhinha Staatsoper, agora em remodulação. 


O fosso é fundo, não se vendo o Maestro da plateia, e a acústica e excelente. Penso que seria uma mais valia manter este Teatro aberto, mesmo depois da abertura do edifício renovado, não só pelas suas qualidades mas sim também por estar a poucos metros da Deutsche Oper. A Bismarkstrasse continuaria a ser a rua mais importante de Berlim para qualquer Fanático da Ópera...






SIMON BOCCANEGRA - Schiller Theatre, Berlin - May 28, 2012


With the same cast and in the same city in which debuted in the role, Plácido Domingo brought back Simon Boccanegra to Berlin.



Having had the privilege of attending one of his debut performances in November 2009, and after the performances in London and Madrid, I can say that the one of the 28th May was heavenly brutal! 




I do not know if I can say this, with Domingo being who he is (but maybe just because of who is), but Plácido matured this role to a superhuman level. There is no need to comment on the voice. Why make the usual statements, with reference to his age, and that have passed on several blogs and magazine articles? But I think important to note that he reached a harmonic coherence, coupled with a magnificent expression, in one of the passages that sounded less convincing as a whole. I'm talking about the "Plebe! Patrizi! Popolo” and particularly "E vo gridando pace!"... His spoken "e tu ripeti il giuro" towards Paolo was terrifying. The manner in which he expressed physically and vocally, with increasing intensity, the lethal effect of the ingested poison and while interacting with Fiesco as if evolving in two platforms, one physical and other psychological, was of a unique quality. After his last word in the opera - "Maria", and just before he drops dead, always in an athletic way, he takes his hand to his chest with a grimace of pain and gives a last breath so dramatically that all the people in the Theatre were inert. Not a single noise was  heard from the audience - brilliant!


Again, and in a way even more touching, Plácido Domingo showed me that being from this World, he also isn’t due to his uniqueness. His passion for Life and the Opera is what feeds him and what makes him always want to innovate and grow, be it 71 years old or whatever your age is. And this is a real life lesson and an inspiration to all of us!




Anja Harteros was a great Amelia, with her beautiful voice of great purity of tone and sensitivity. However it feels that she has not completely mastered the ability to regulate the intensity of her vocal power. Amelia Grimaldi is not a Wagnerian character, and even if it were, at times she throws her voice with an intensity that what transpires is that she intended to display her vocal powers more than an adaptation to the character she is playing.


I was not surprised by Fabio Sartori voice, which I know very well and which makes me say that this is one of the greatest tenor voices of our time. He did surprised me but with his better at ease on stage. Is not just an inert body who sings. His more natural movement and credibility finally results also in his vocal performance.


After hearing Ferruccio Furlanetto play the role of Fiesco is difficult to admire other singer in this role. Kwangchul Youn was well but mainly in the third and fourth acts, where his expression was more scenic and natural felt.


Hallo Muller-Brachmann was a Paolo of excellent quality but there is the opportunity to be even better if he makes the character less rigid and with a darker horror.


Daniel Barenboim and the Orchestra were sublime! It was perhaps the first time I saw Barenboim smiling on stage, dropping his self-centered and serious posture (maybe not his real personality but that is the idea that always shines).



Finally, I thank the director for changing Boccanegra mantle of the second act from a deeply irritating yellow to a classy white cream one.

The Schiller Theater is much more welcoming than the old house of the Staatsoper, now in refurbishment.

 

The pit is deep, not seeing the Maestro from the orchestra stalls, and the acoustics are excellent. I think that would be an asset to keep this theater open, even after the opening of the renovated building, not only for its qualities but also for being a few meters from the Deutsche Oper. The Bismarkstrasse would remain the most important street in Berlin for any Opera Fanatic...


5 comentários:

  1. Li que as obras estão muito atrasadas e a abertura agora já se prevê para 2015. Provavelmente, vai valer a pena.

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  2. De facto, uma sala assaz agradável com uma belíssima acústica.

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  3. Caro wagner_fanatic,
    Fico muito satisfeito por constactar que teve oportunidade de desfrutar de um espectáculo superior e que apreciou, ao mais alto nível, Placido Domingo, talvez o cantor que mais aprecia e que mais o marcou (digo eu). Ele, Domingo, não deverá ler este blogue, mas se o fizesse sentir-se-ia sensibilizado não só pela apreciação que faz do seu trabalho como, também, pelas magníficas fotografias que partilha com todos. Nenhum fotógrafo profissional faria melhor!!

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  4. Que atleta é o grande Domingo! A última récita do Simão Bocanegra foi na noite de 31; no dia 1, de manhã, já estava na Gulbenkian, escreve o Público. E à tarde, vi-o eu nos Jerónimos. Hoje ainda deve estar em Mafra, a assinalar a restauração dos órgãos...

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